quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Desamores de Carnaval

Rio antigo, carnaval. A felicidade e a leviandade são obrigatórias.
Eu não me importaria com isso se a antes preguiçosa tristeza não estivesse
agora desperta como os foliões que fazem troça de mim pelas ruas.

Sou uma mulher de um só, nem parentes, nem amigos, nem ninguém
gozava de minha atenção e afeto que estavam todos dedicados a ele,
aquele que partiu me deixando com a obrigação de ser feliz.

Renato não disse nada além de: Amar, amo Joana mas prefiro me afastar.
Antes que ele viesse com os pormenores o interrompi ciente de que
alí havia a mesma razão que qualquer outra pessoa teria para largar o
parceiro, por mais que Renato, o poeta, sensível fizesse grande
esforço para não ser um homem de sua época, aquele ato era comum a todos os seus contemporâneos. Substituir a sua gasta e irritadiça mulher por outra juvenil e branda.

Ainda que tenha me sobrado somente uma carcaça estraçalhada o pior foi ter
de voltar a antiga casa de minha mãe. Por caminhos que antes me
levaram cheia de expectativas a casa do venerado Renato. Ah! o homem
de minha vida, adorável, um pensador, muito a frente dos seus, homem
liberto, impressionante, imprevisível, até demais.

As ruas já estavam pilhadas de chuva e foliões, eu me encontrava ainda
mascarada. Não contava pela manhã, que a tarde já estaria desgastada.

Fui andando sentido meu corpo inteiro pulsar, andava pelas ruas com uma
obstinação sem a qual, eu acreditava, não conseguiria chegar ao meu
destino. O lar abandonado de mamã, com seus móveis antigos, seus
horários e aromas.

Mamã havia de me consolar, mas havia também de me lembrar o quanto
desaprovou o meu companheiro, comunista e fanfarrão que aos trinta
ainda vivia de mesadas da avozinha. E desta vez eu não iria jogar na cara
dela a bela poética do meu amado que não devia nunca ser desperdiçada
em jornalecos de quinta.

Nas ruas, estrangeiros se encantavam pelas belas mulheres, negras,
loiras com 1,80 de altura, e alguns atributos secretos a mais. Aquela
confusão de gente fazia meu estômago doer. No deck, Martha gritava meu
nome, mostrando os dentes, embriagada se perguntando qual a razão da
minha rouca alegria.

Por mais que eu esclarecesse à moça, ela não se conformava com as
razões da minha tristeza, "Deixa lá suas lamúrias mulher, que homem
tem a rodo". Martha só não compreendia que eu não havia perdido um
homem e sim a minha metade que se não fosse aquele estava provado que
metades não existiam!

Martha era uma dessas feministas que de tão radicais acabavam se
portanto como homens da pior laia. Preferi ir embora, recusando o
convite de Martha de festejar minha liberdade.

Havia música por todos os cantos, por pouco tempo eu tive vontade de entrar na água, mas o mar estava infestado de cores e alegrias e aquilo já não me cabia bem.

Fui pensando na minha ingenuidade em achar que aquele poeta era tão
diferente de todo os homens. Gostaria que ele tivesse sido mais original
e terminado de forma mais drástica... "Ah minha querida não te amo mais,
não insista pois outra mulher é para mim objeto de reverência, quero
apagá-la à borracha para dar espaço à minha nova amada. Suma daqui!"... Assim teria sido bem melhor que ser trocada covardemente por uma fulaninha que ele não se atrevia nem a contar-me a existência que teve que ser confirmada por Martha, que a chamava de: Margarida, bela e fedida.