Em cidades muito cheias a ansiedade é uma constante, uma resposta que ameniza a loucura, as pessoas envelhecem, os objetos estragam e são substituídos por outros. Os amantes, o chuveiro, a porta, o ferro, a cafeteira, a geladeira, o porteiro, a TV, o computador. O tempo destrói tudo.
Em cidades como essas a morte perde o sentido real, ela vira tempo de folga ou tempo perdido, tempo cronometrado: três horas de velório, quinze minutos de missa, dez minutos para o enterro, cinco dias de descanso para os filhos, três para os netos. Embora em cidades muito cheias a morte continue sendo uma cusparada na cara, chega na hora que quer, de madrugada ou em pleno horário de almoço, atrapalha o trânsito, atrasa projetos, deixa pessoas esperando.
O relógio da parede da cozinha avisava que já era tempo de ir trabalhar então eu tomei, resignada, meu café gelado, saí com o hálito pegajoso, comprei uma bala, acenei para o senhor dono da banca de revistas, que sempre me avisa quando a PREACHER chega, e tomei o carro de “aluguel.” Não me pergunte a razão, mas eu achei legal falar assim. Então eu tomei o carro de aluguel para chegar pontualmente às 08h00min no trabalho e terminar meus projetos dentro dos prazos. A pessoa que cumpre os prazos sempre recebe uma premiação, e ela não é nada ruim.
Fim do dia no escritório.
Agora é a minha vida social quem exige de mim, vamos todos para o pub mais cheio da cidade, sentir muito calor, ouvir pessoas gritando e tentar conduzir alguns flertes em alguns homens embriagados, cansados, agitados, e tentar ao máximo desacelerar o ritmo que nos é imposto, na verdade não é bem imposto, mas como a premiação é boa a gente não se importa de viver com o pique de um cheirador, produzindo 8 horas por dia, 7 dias na semana. Conversas sobre nada, cheia de palavras rebuscadas, novas ou velhas deixavam o ambiente mais cheio, tudo programado, até o drink que uma moça deve tomar se ela quiser ser “in” (in - um termo descolado terminantemente proibido de se pronunciar se você não quiser denunciar a sua intenção de ser “ “ ... você sabe!)
Fim do dia social
Casa, lugar pouco acolhedor, porém bastante prático. É preciso tempo para familiarizar com o ambiente. A cama é conhecida já o sofá... parece que foi escolhido por um estranho, e de fato foi, eu gostaria de ver a senhora mãe dele sentadinha vendo TV nessa porcaria, desenhado para um camelo se sentir confortável. Mas enfim lar doce lar, é hora de dormir, isso se eu quiser ter no mínimo 6 horas de sono, sendo assim, chapada eu apago e sonho.
O Sonho.
Eu volto ao pub, um homem enfia a mão na calça e balança o membro pra mim eu pego a pinça e morro de rir. Do outro lado uma mulher parece cair, mas permanece em pé, a música é boa, mas não dá para ouvir direito, um homem chora copiosamente no balcão, eu sinto por ele, exposto ali à luz do néon, atrapalhando os pedidos de tequila da moça de rosa, o homem que chorava me leva para casa, num carro de teto baixo, tipo baratinha, as janelas estão fechadas e por isso eu não consigo respirar, mas tenho medo de pedir para abrir, evito chamar a atenção dele para mim, tento desaparecer, não consigo, minhas mãos denunciam minha aflição, o homem segura as minhas mãos que estavam enterradas entre as minhas pernas, ele as aperta entre as dele, em seguida agarra o meu pescoço e sorri dentes amarelados de cigarro e café pra mim. Eu sinto vontade de morrer e acabar logo com aquilo, engolir se tornava penoso.
Eu acordo com a sensação de ter lágrimas para chorar, mas não tenho. Seguro meu pescoço tentando sentir a mão novamente. Suada, eu me sinto infinitamente sozinha e amedrontada, eu rezo para Deus me ajudar, rezo para que ele seja meu pai, me repreendo por não acreditar nisso, tornaria tudo mais fácil, acho graça da idéia de ir a uma igreja, de madrugada, depois do Pub, a única hora que seria concebível a idéia de parar.
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