sexta-feira, maio 28, 2004

E disse Nélida

Então que me deixem envelhecer.
Com ironia, quero que me vejam envergar.
Sem pudor, a cada ruga uma história mal contada
Sem moral e com a pele flácida.
Com todo cigarro fumado estampado nos dentes
Com toda bebida ingerida zombando do fígado
Me deixem deteriorar
Porque a Nelida disse que "Só envelhece quem vive"
Então para não morrer jovem
Me deixem madurar

quinta-feira, maio 27, 2004

A sina de Josefine


Josefine era uma mulher que prezava, acima de tudo, por um bom e breve acompanhante.
Livre de preconceitos, Josefine, se deitava com quem a fizesse se sentir bela e excitada.

Vivia á procura, porém sem se exaltar, a discrição era o ponto forte de Josefine, pelo menos enquanto sua embriaquez estivesse sobre controle o que as vezes Josefine perdia, mas o resultado disso, em respeito a sua memória, não será exposto aqui.

A vida social de Josefine se resumia a um punhado de caras e corpos conhecidos.
Sem sentimentos ou qualquer interesse pela vida particular dos seus parceiros, ela vivia sem qualquer interesse diferente ao sexo.

Como um drogado que se prepara de picada em picada para a próxima, Josefine se preparava de noite em noite para o próximo.
Cuidava muito da aparência, vivia impecávelmente vestida, era facilmente querida, por isso vivia feliz.
Josefine tinha um objetivo diário que se cumpria com louvor todos os dias.

“Foras” ela já havia tomado alguns, mas nenhum traumatizante, ou que a fizesse deixar de cumprir com seu objetivo, ela sempre , conseguia “alocar” outro “recurso” a tempo.

Mas a vida por si só dá seus solavancos, há quem pense que a vida não nos reserva surpresas... Josefine era uma dessas, até o fatídico dia em que nenhum de seus “corpos e caras conhecidas ” apareceu.

Josefine tinha somente uma preocupação, ela procurava frequentar sempre os mesmos lugares para familiarizar com as pessoas, assim ela só se relacionava com aqueles que tivessem “referências” Josefine era criteriosa com isso... Ela não podia cair na armadilha de uma noite frustrada, isso seria o fim,acabaria com toda a preparação de um dia inteiro, romperia uma cadeia. Impensável.

Acontece que nesse dia, os locais de costume estavam todos fechados e Josefine se viu abandonada,triste.
Fazia tempo que isso não acontecia e não havia outra alternativa senão passar essa noite sozinha, sem nenhuma companhia.
Mas antes que chegasse o Táxi, que a levasse para seu triste destino, um homem se aproximou perguntando as horas, ela nunca o tinha visto antes, mas pensou que aquele era realmente um conjunto harmônico, e ainda sem responder a pergunta feita pelo desconhecido, constatou que voltando para casa ela já estaria fora dos padrões...
Então se adiantou e disse: - Hora de você me acompanhar.
O homem sorriu dizendo que aquele não era o melhor momento.Josefine não podia perder essa, aquela definitivamente não era o melhor momento para levar um fora.
A sua meta diária que formaria uma anual estava em jogo, era uma questão de princípios... ela sorriu segurando o nervossísmo e disse: - Ora,eu não fiz uma pergunta, dei a você uma resposta, indiquei o caminho, não é sempre que você é privado do aborrecimento da dúvida.
Dito isso, parou um táxi que passava e entrou sem virar para o estranho, abriu a porta e esperou, pouco, por ele entrar.
Alívio! Ela nunca esteve com tão pouco controle da situação. Mas, de fato, estava a caminho de cumprir sua meta.
Não fosse o estranho um exigente, exigia atenção, exigia carinho, lançava olhares doces e fazia afagos, coisas que Josefine dispensava veêmente, porém se viu obrigada a fazer...
Mas Josefine cumpriu sua meta, não da forma ideal, ela se sentia entorpecida com todo aquela entrega do estranho, ele agia como se ela o tivesse parido.
Tudo aquilo confundia Josefine, ela sempre fora fria com seus companheiros,e todos sabiam da sua conduta.Aquele homem a tinha enganado... Pela manhã, olhou para ela como se fosse a única no mundo e trouxe café, foi embora dizendo que ligava mais tarde.
Josefine morreu.
Ainda pela manhã, engasgou com uma bala, deixada pelo estranho, que estava ainda tentando decifrar.
Uma morte estranha...Muitos dizem que Josefine havia cumprido afinal sua sina na terra e por falta do que viver.
Morreu!

terça-feira, maio 11, 2004

Olhar sobre a distância

Quando eu cheguei todos olhavam ansiosos por algo que os fizesse lembrar da pessoa que havia há dez anos atrás feito o caminho inverso ao que hoje me trazia aqui.

Talvez por defesa todos me olhavam sem dizer uma palavra, eu disse oi á minha irmã, rompendo o silêncio, ela me respondeu parecendo ignorar a distância que nos separou esses dez anos, me respondeu com um abraço, se afastando em seguida para que outros derramassem lágrimas de saudades ou dissessem o quanto eu havia engordado ou emagrecido.

Chegando em casa tudo me pareceu muito etéreo e por um segundo eu me dei conta do que havia perdido com a minha partida, as coisas mudaram, sem meu conhecimento ou aprovação.
As coisas se deterioraram, coisas que eu julgava eternas acabaram, inclusive as pessoas.

Um grande esforço seria necessário para adaptar meus olhos aquela nova realidade, que cuidadosamente eu projetava na minha cabeça para nunca esquecer os detalhes que me prendiam, intencionalmente, a este lugar.

Todo o tempo que estive fora me deparava dia-a-dia com novas visões e não me assustava com o fato de acordar em lugares que nunca havia estado antes, mas isso, sim, era vazio me deparar com aquela realidade que uma vez foi tão familiar e aconchegante toda deturpada, era algo que eu não contava e esse tipo de inesperado sempre me pegava desprevinida.

As mudanças não paravam por aí, me atormentava ainda o fato de constatar que aquilo tudo era
um simples reflexo da mudança das pessoas.
Eu que vivi conhecendo desconhecidos tinha agora o desafio de conhecer velhos conhecidos.

Apesar da recepção sem delongas de minha irmã tudo mais que eu julgava familiar nela se perdeu. Se tratava também de um outra pessoa, outra irmã,pensativa, me matava percebê-la vagando no meio de diálogos, ela se ausentava, assim , bem na minha frente, me olhava sem me enxergar.
Crescida de uma infância igual a de toda criança para aquela mulher contemplativa, que causava estranheza nas crianças e nos idosos, às vezes era até engraçado a falta de tato que ela tinha com esses dois grupos, várias foram as perguntas que ela deixava sem resposta ou as piadas sem risadas, que minha irmã julgava não ter obrigação nenhuma de fazê-las.

Os aromas, o calor tudo me deixava cada vez mais desesperançosa. Os amigos, que uma vez foram os mais confiantes, belos e divertidos, dizendo quão imbecis tinham sido e o quanto hoje eles pagavam por isso, arruinados em suas vidas medíocres.
A falta de cordialidade daqueles que somente de vista eu conheci mas mesmo eles estavam também em minha memória. As novidades pareciam não ter mais fim.

Ah! como eu sinto por mim, que deixei me iludir pela capacidade de arquivo da minha memória, seria possível que tudo tivesse mudado tanto, ou seria eu, que me iludi com minha romântica saudade, fantasiando essas pessoas da forma em que melhor me acolhiam.

Ah! como eu sinto , se soubesse que perderia minha casa e meus amigos com esse retorno manteria todos eternos na distância