sexta-feira, janeiro 22, 2010

Por isso

O amor existia e era muito maior que eles. Viola sabia que não
resistiria por muito tempo, por isso, acordava todos os dias antes
dele, e reservava, de forma quase sagrada, alguns minutos só para
vê-lo dormir.

Vagner detestava acordar com aqueles olhos negros lacrimosos em
cima dele, mas eles sempre vinham seguidos por uma montanha de beijos
e abraços, e isso o deixava imediatamente feliz. Ele a amava. Adorava
sua pele, cheiro, via poesia até em suas crises de humor, ele a queria
com tudo.

Viola não achava o amor de Vagner possível, tinha uma preguiça
interminável de si mesma, não era concebível em sua cabeça que alguém,
que a conhecesse como ele a conhecia, pudesse manter a admiração que
com frequência ela conseguia, no máximo, até o terceiro encontro.
Se julgava uma fraude, por isso acordava todos os dias sem saber se,
ao abrir os olhos, ele ainda a olharia com amor.

Vagner vivia feliz com a moça, não fazia ideia do que passava
pela cabeça dela, estava feliz com seu par, sentia ciúmes da beleza
dela, mas adorava vê-la, de todo jeito, despida, desarrumada, ou de
pijama velho. Adorava observar a moça se maquiando, enfeitando aqueles
olhos tristes que pareciam carregar mais historia que a idade dela
permitia.

Os dois viviam de mãos dadas, em total cumplicidade, como se
chegar não fosse o motivo. Se amavam com carinho, era possível ver no
olhar o desejo de um pelo outro, por isso Viola não se sentia capaz de
acordar um dia e ter que encarar o desprezo no rosto sonolento do
homem que era o amor de sua vida, ela não suportaria. Queria guardar
para sempre a imagem perfeita da adoração que Vagner sentia por ela.

Viola não temia a rejeição, tinha medo de ser desmascarada,
sofria em pensar no dia que Vagner a veria como alguém, que realmente
era: uma mulher falível, egoísta e medrosa. Por isso, numa manhã
cinzenta Vagner acordou com frio, sem coberta, a casa estava quieta,
ele chamou por Viola, mas não teve resposta. Sentou na cama e acendeu
um cigarro, pensou no que poderia estar acontecendo, sem achar motivo
razoável. No criado, um bilhete com uma frase curta explicava tudo: só
assim, serei sempre sua.

Certo de que havia sido abandonado e largado para trás como um saco
velho, Vagner sentia o peito inteiro abrir, partido pela metade, o
rapaz só queria sair dalí e ir para um lugar onde tudo que ela acabava
de tirar dele não fosse tão real. Queria ir para um lugar onde a
felicidade dele não fosse só uma lembrança.

terça-feira, novembro 24, 2009

Histeria

Eu entrei num outro mural.
Era meu, mas não era. Eu podia reconhecer tudo mas não tinha feito nada.

Confesso: eu gostei!

Eu teria estado lá, dito aquelas palavras e amado aquelas pessoas.
De vez em quando, mesmo, só pra variar, eu olharia para trás para
lembrar, com um gostinho bom, do quanto a minha vida poderia ter sido
mais tranquilo, e equilibrada.Ao voltar a cabeça me jogaria sem medo
em qualquer situação imprevisível, vivendo só para ver o que o acaso pode oferecer.

Alí mesmo eu também gostaria de ver você, sem mim.
Gostaria de te ver passar, flertar. Só para ver você me olhar pela
primeira vez, mas eu seguiria.

Seguindo pra onde nunca fui, sozinha, eu perderia minhas certezas, vestiria o mau gosto, lamberia as feridas, sucumbiria aos meus defeitos, e finalmente...
enlouqueceria até perder o juízo. Tudo por acaso.

quarta-feira, julho 15, 2009

...E a ponta de um torturante band-aid no calcanhar.

Acabo de chegar a conclusão de que sou uma pessoa angustiantemente romântica.

Penso o dia inteiro em personagens apaixonadas de tal forma que só a insanidade explicaria. Isso, claro, se alguém tivesse pedido explicação.


Vejo olhares que se cruzam em inferninhos de neon, homens tristes e mulheres amargas que aplacam sua solidão com amores cortantes e instantâneos, nada além do velho e conhecido amor a primeira vista.

Penso na paixão pelos detalhes, e no fascínio por defeitos que tomam ares de beleza diante de olhos que só conseguem ver o belo. Homens comuns que se tornam poetas diante de suas musas. Eu acredito mesmo que o amor potencializa tudo.

E no fim de toda esta entrega, é o abandono o ponto alto do amor. Tanto sentimento só poderia acabar em desencanto, por falta de argumento ou simplesmente por não conseguir levar adiante um amor tão enlouquecido.

Confesso que, às vezes, eu os até suicido.

Meus amantes morrem, se separam, se cortam, mas todos, levam consigo a experiência do mais primitivo amor. Todos saem pela porta da frente pensando em "São dois pra lá, dois pra cá "prestes a encontrar outro amor ensandecido. É certo que sempre haverá um alguém desolado, uma metade de laranjinha, sentado sozinho ou sozinha num canto de um inferninho de neon...

quarta-feira, julho 01, 2009

Para Janine

Saudade, larga dela e deixe-a caminhar
Eu sei que ela é doce e boa de apertar, mas a menina precisa partir.

Ela precisa ver como brilha o sol de lá. Pois ela, só ela, consegue enxergar a beleza incrustada no caminhar lento e desajeitado dos caracoizinhos que ela ariscamente coleta para depois dissecar.

Assim, pode parecer cruel mas vindo de Janine é doce e até bonito de se olhar.
É claro que eu não vou experimentar, mas o seu amado até no mangue já entrou só para vê-la trabalhar.

Portanto saudade, deixe-a descansar, alivia este coraçãozinho que só tem amor pra dar.


Parabéns querida.

quinta-feira, junho 04, 2009

a saudade da menina

um teto alto, uma cama antiga e grande demais para a menina que estende o corpo ocupando-a de um lado ao outro, a janela aberta deixa entrar a fresta de sol que aquece seu corpo e embala um sono de poucos minutos.

o som da rua, que também entra pela janela, deixa a menina mais segura, são sons familiares que ela ouve desde a mais nova idade. Alguém lá fora escuta uma música triste que a menina sabe de cor.

Dentro do seu quarto esconderijo ela guarda os mais íntimos e insignificantes segredos, guarda um lado de si preservado só pra ela, um lado que não é especial, nem extraordinário mas é só dela. Os sonhos perdidos ficam lá, uns amores pequenos, algumas lágrimas sem verdadeira razão, mas ainda assim derramadas.

Um casulo, uma cápsula protetora, de onde, um dia, ela teve que sair pra poder ver mais, mas sem a menina o quarto virou pó, não guarda nada, só as paredes descoradas estão lá, embora a janela ainda se abra para o sol entrar.

segunda-feira, maio 18, 2009

Sobre amigos

Malditos pepinos.
Eu odeio, tu odeias, todo mundo odeia mas a Lívia ama!

minha casa

Acordo, tento identificar que teto é este que me cobre, mas não consigo.
As paredes são estranhas, parecem de mentira, nunca povoaram meu mundo, não sei como foram parar ali, elas circundam-me sem permissão.

A minha nova casa era feita de antigos hábitos, revestimentos e azulejos antiquados. Ela ficava numa velha rua, cheia de casinhas iguais a esta, onde crianças perpetuavam brincadeiras do passado, os muros tinham musgo verde estragando a pintura, e as casas tinham varandas, alpendres e cadeiras de ferro pintadas de branco.

Lá dentro os móveis, paredes e todo o resto eram romanticamente desgastados, com cheiro do tempo que cada coisa viveu. Nesta casa eu tinha a poltrona verde oliva da minha avó, a penteadeira da minha mãe, e o aparador que na época nem tinha este nome. Lá guardei lembranças daquilo que eu nunca vou querer esquecer, memórias que moldam meu presente, mas deixam minhas paredes sem alma.

Eu preciso de uma casa mais interna, com cantos onde eu possa me enfiar. Gosto de pensar num lugar onde eu possa entrar e mudar radicalmente minha impressão da rua. Um esconderijo bem a vista de todos.

Não sei bem o que fazer, será que esta apatia é culpa delas ou minha? Afinal, talvez o que falta na minha casa sou eu. As tardes ouvindo música, as conversas com a Fernanda, ou as horas de espera que antecediam a chegada do meu amor, uma briga, uma festa, uma chegada. Faltam meu pai e minha mãe deixando a casa ocupada e barulhenta às seis da tarde, faltam minhas irmãs me tirando espaço que a tarde garantia.

Penso como será para ele que parece se sentir tão à vontade com nosso espaço, que vai e vem calmo sem reparar no aparador ou na poltrona verde oliva. Sinto-me mais responsável ainda em deixar o piso de ardósia mais aconchegante. Olho demoradamente minha nova vida e me pergunto se será possível imprimirmos nossos breves contos nestas chapas de mdf que não irão guardar cheiro algum, mas ele está em paz, e eu estou aqui delirando sobre coisa alguma.
--

Conselho de mãe

Sangre menina.

Nunca mais escreva. Nem mais uma palavra.

Não faça ponta no lápis, não sinta culpa alguma por isso.

Antes você precisa entortar, sentir arder.


Aborte esse filho mal criado, mas, por favor, chore por ele.

Sofra como se deve sofrer, sem comprimidos nem cobertas.

Aceite, filha minha, admita a aspereza.

Não há sentido em amenizar quase nada.

Não há razão para cultivar uma vida pálida.

Ah! filha do meu coração, perdão.

Perdão, por não fazer mais por você, mas para esta vida valer de verdade é preciso

se sujar um pouco mais, corte-se menina, corte-se profundamente, mas não morra.

Viva para ver cicatrizar.

sexta-feira, maio 16, 2008

Desordem!

Gina acordou meio Joy division, mas nenhuma música tocou aquele dia. E era por isso que ela sentia, sabia mesmo, que naquela quinta nada de bom aconteceria.

No trabalho, durante toda amanhã, a moça corria os olhos pelo relógio, ela almoçou sem fome, terminou seu trabalho e saiu sem planos.

Saiu para dançar sozinha, seu ânimo não merecia amigas, ou combinações, merecia só acabar. Então Gina foi para o Laos, um inferninho onde ela sabia que poderia encontrar conhecidos, gente pouco íntima, o que seria ótimo. Aquele dia deveria passar superficial, sem nenhuma recordação, nada pra lembrar.

A moça bebeu e dançou como se não tivesse mais ninguém ali. Os mais próximos estavam ficando embaraçados com a presença dela, que se mexia parada se debatendo, numa interpretação muito sofrida de tudo que tocava.

Gina não sabia dizer o que realmente a incomodava, mas tinha certeza que deveria fazer passar de alguma forma. À medida que ia dançando a angustia ia aumentando, bem Joy division mesmo, por isso ela sabia que era só aceitar, deixar tudo subir, tomar intensidade, e no momento do ápice uma nota cortante entraria e só assim a música teria fim.