sexta-feira, julho 14, 2006

Só nos restou Dionísio


Era manhã de sábado, fazia muito tempo que Maria não acordava numa manhã de sábado. Ela se levantou, com preguiça se olhou no espelho e demorou. Maria apertava os olhos, se olhava de lado, respirou fundo e nada. Nada naquela mulher a fazia lembrar de Maria, quem era aquela mulher anulada? Quem era aquela porra de mulher genérica? Quem era aquela farsa? Maria sentia o corpo doer, esticou-se e foi para a cozinha preparar um café, um café melhora tudo.

A moça olhava a cozinha, um cômodo sem identidade, Maria cujo nome bíblico também a ofendia tomava seu café na cozinha sem graça e divagava com a empregada sobre o feminino: Nada é mais feminino que a loucura. A insanidade, essa foi a grande vingança de Deus, ou nem isso, talvez tenhamos sido só uma piada sem graça. Ainda se alguém me explicasse qual a finalidade de se criar um ser totalmente controlado por hormônios. Gostaria de entender qual a razão de dar continuidade a uma raça que só se repete. Mulheres, oh Deus, me diga qual a razão?

Por que deixar toda a confusão, e impulsão embutidas em nós? Será preciso nascer da cabeça de Zeus para conter nosso instinto de destruição? Nossa grande dádiva é também a nossa perdição, nós parimos e matamos todos os dias. Eu não suportaria uma filha, tampouco um filho, os homens são rasos, uma defesa contra o amor insano de suas mães, amantes e filhas.

É chegado o momento de aceitar a nossa condição, não podemos mais negar a loucura, ela é inata, é a mais pura representação feminina, a histeria é divina. Hoje, Deus, nós faremos as pazes, do prédio mais alto eu lhe darei a minha devoção, já que me fizeste esta criatura louca e destrutiva, eu não negarei, tomarei a atitude mais feminina de minha vida, louca e destrutiva eu serei.

segunda-feira, maio 22, 2006

1/4 para dormir

Eu não sei dormir, nunca aprendi.

- Vá para casa moça a senhora está com uma cara horrível.

- Que homem cruel, eu jamais diria isso a alguém.

Passar tanto tempo no meu quarto me faz pensar em como eu poderia me apresentar para alguém apenas mostrando este cômodo, empilhado de objetos inúteis que eu não sei como me desfazer, sem espaço apesar de grande, e sem conseguir cumprir com seu propósito inicial. Um cômodo que tem bem pouco sentido de ser. Será que alguém já morreu de insônia, se morreu provavelmente foi de tédio.

Catarina se levantou, pintou a cara e trocou de roupa, com a intenção sincera, de pela manhã, pintar todas as paredes do seu quarto, saiu pela madrugada decidida a fazer somente aquilo que ela nunca havia feito. A moça foi para um bairro que nunca havia estado antes e entrou no bar mais movimentado, ela sentia que podia fazer algo a respeito de não caber em si, a vida não podia ser tão dolorosa, provavelmente ela estava no caminho errado, o que explicava todo o seu desconforto.

- Tá perdida madame?

- Não moço, pelo contrário, posso me sentar?

- Claro. De onde a senhora é?

- Daqui mesmo.

- Acho pouco provável moça, por essas bandas todo mundo se conhece ou pelo menos tem a cara familiar, e uma moça como a senhora, dá pra ver que não é daqui.

- Não senhor, é que eu andei muito tempo sem saber aonde ir, me perdi algumas vezes e acabei ficando insegura para andar sozinha, mas agora já estou acostumada a tudo por aqui.

- Olha moça, bom pra senhora, agora eu tenho que ir, foi um prazer.

- Pra onde o senhor vai?

- Bom, para onde eu vou a senhora provavelmente nunca foi e nem nunca irá se depender de mim.

- Pois é exatamente para onde eu gostaria de ir, o senhor me leva?

- Não senhora.

- Por favor

-Olha moça, o lugar é embaçado, quem entra lá só Deus sabe se sai.

- Por favor, alguma coisa me diz que eu vim aqui, hoje, justamente para este propósito.

- Bom, então vamos logo, a senhora está avisada, é maior e vacinada, né? E se alguma coisa acontecer, eu já te falo dona, não vou poder fazer nada pela senhora.

- Muito obrigada moço, e antes de mais nada meu nome é...

- Nem precisa me falar, a partir de agora a senhora é Madá e eu sou Gabriel.


O lugar, que só Deus sabe se quem entra sai, era uma casa velha, no meio da periferia, sem acabamento com os tijolos a mostra, uma velha abriu a porta para os visitantes entrarem, lá dentro uma grande sala abrigava uma reunião de umbandistas, eles cantavam e dançavam os orixás, pouco a pouco as entidades eram incorporadas pelos “aparelhos” que só eram notados pelo lençol branco colocados em suas costas, mais adiante, depois de uma cozinha grande e cheia de caldeirões espalhados por ela, uma porta fechada.

- Madá, aqui é o lugar, quer mesmo entrar?

- O que tem ai dentro? Perguntou Madá com um jeito divertido

- Nada que tenha a ver com o que você viu na sala. Nada que vá fazer bem a mim ou a você

- Então por que você vai entrar?

- Porque eu preciso, disse Gabriel parecendo honestamente agoniado. Só a trouxe aqui por achar que talvez... você precise também.


Madá já não parecia divertida, ela finalmente percebia a seriedade da situação, pensou em voltar, mas sabia que não poderia. Finalmente abriu-se a porta o que Madá viu parecia enlouquecedor, sentiu náuseas por causa do cheiro forte, um homem a puxou pelo braço com força a deixando sem reação no meio de um monte de gente se contorcendo de dor. Ela viu uma moça sangrando, pensou em tentar ajudar, mas logo percebeu que a menina se feria com uma lâmina. Uma pontada de dor no seu estômago a alertava do perigo de estar ali, ela pensou em se ferir também, tentando evitar que alguém fizesse antes dela, ao se abaixar para pegar uma lâmina, um homem, negro encharcado de uma mistura de suor e sangue sorria para ela mostrando a gengiva, sem dentes e sangrando. Ela engoliu seco e entendeu o recado, naquele lugar cada um teria uma experiência diferente.

Catarina foi recolhida numa praça no centro com os dedos sem unha, ela estava ferida e bastante fraca, a levaram para um hospital aonde permaneceu por duas semanas até se recuperar. De volta ao mundo, a moça foi para casa feliz por constatar que estava disposta a deixar tudo como estava, seu quarto parecia em perfeita harmonia, paredes, móveis, trecos, tudo,finalmente no seu devido lugar.

O bom filho

Desde cedo ouvia seu pai dizer que quando o fim estivesse próximo ele saberia:

- O fim dos dias meu pai?

- Sim

- Então todos saberão pai?

- Não, meu filho, mas você decerto saberá.

João sentia um carinho enorme pelo pai, mas julgava-o culpado por várias decepções em sua vida, ele achava que o velho havia depositado mais credibilidade do que devia nele, mais que expectativas paternais, mais que projeções, o velho era realmente exagerado no que dizia respeito ao filho.

João estava com 30 anos, morava sozinho, tinha um bom trabalho, uma namorada, bons amigos,visitava a mãe com regularidade controlada, caso contrário só visitaria a velha viúva uma vez por ano, o amor que ele sentia pelo pai não era nem de perto igual ao que sentia pela mãe, mais uma vez o exagero do pai havia atrapalhado a sua vida, a mãe sempre se sentiu diminuída perto dos dois. Vários foram os esforços de João para introduzir a mãe às longas conversas que ele tinha com o pai, mas o velho nem se dava conta da presença da esposa.

Com a morte do pai, João não teve alternativa a não ser sair de casa, sua mãe estava se tornando histericamente perfeccionista e exigente em relação a sua vida: “Trate logo de ver um doutorado, seu pai não lhe criou para isso, e essa menina insossa? É sua namorada, não a traga aqui, a insignificância dela ofende a memória de meu marido.Por Deus João ,seu pai não foi um pai comum, não seja assim, não seja ingrato como são todos os filhos.

Ele não culpava a velha, sabia de onde vinha todo rancor. O que ele não sabia era como o pai estava certo. O velho sempre o assustava com aquela conversa sobre: “O fim dos dias meu filho, você decerto saberá, use esse privilégio com carinho, use com amor.”

quarta-feira, abril 12, 2006

Deixe a menina feia em paz!

O rapaz a olhava com interesse, mas Belinha é tímida, talvez um pouco mais que isso.
Avaliava as circunstâncias, será que valia a pena se expor, evitava desgastes.
Ele parecia valer mesmo a pena, tão bonito, falava pouco, reservado, o que lhe atribuía um charme angustiante. Algumas garotas se aproximam dele, ele sorri para elas e olha de lado para Belinha, que quase morre, a moça fica paralisada, com cara de boba segurando para não rir e engasgar, abaixa a cabeça esperando que ao voltar ele já esteja olhando para o outro lado, é incapaz de manter o olhar dele com o seu, apesar de querer muito.
Belinha pensa como seria bom ter um pouco mais de ousadia, bebi um demorado gole, e ri da esperança de ficar embriagada com aquele drink de morango. Pedi uma Gin tônica.
Bebe tudo, mesmo tendo a impressão de estar virando um vidro de perfume barato. O rapaz a olha intrigado, com uma expressão de surpresa. Belinha sorri desconcertada e oferece o copo, ele já não a olhava mais. Belinha murcha. Toda essa movimentação a deixa exaurida, com vergonha de si, a moça pedi a conta. Evita olhar para o rapaz, que se aproxima sem que ela pudesse ver, sorrindo ele se apresenta: - Oi, meu nome é Roberto. Eu estava alí te olhando, queria te dar meu telefone, quem sabe a gente poderia se encontrar um dia desses e conversar um pouco.

Belinha ri com os lábios cerrados, olha para aquela figura linda, mãos lindas, dentes lindos, movimentos lindos, harmônicos, diferente dela, que parece poder desabar a qualquer minuto, pensa no quanto aquilo tudo deveria fazer um bem enorme as pessoas, mas não a ela, ela só conseguia pensar que ele, no mínimo, deveria ser famoso por gostar de garotas estranhas, sem sal e freaks, não, essas coisas não aconteciam com ela. Belinha sabia que tudo que ela conseguiria despertar em pessoas como Roberto era aversão ou no máximo culpa, ele não tinha se dado ao trabalho nem de perguntar seu nome, então Belinha se desculpa e recusa a boa vontade e o telefone do rapaz. Ri mais uma vez de si mesma, encontrando uma resposta para a situação toda, o rapaz deve ser um desses estudantes de psicologia em estudo de campo, e vai embora achando graça, tentando se convercer de sua explicação.

terça-feira, março 28, 2006

Diassujos

Em cidades muito cheias a ansiedade é uma constante, uma resposta que ameniza a loucura, as pessoas envelhecem, os objetos estragam e são substituídos por outros. Os amantes, o chuveiro, a porta, o ferro, a cafeteira, a geladeira, o porteiro, a TV, o computador. O tempo destrói tudo.

Em cidades como essas a morte perde o sentido real, ela vira tempo de folga ou tempo perdido, tempo cronometrado: três horas de velório, quinze minutos de missa, dez minutos para o enterro, cinco dias de descanso para os filhos, três para os netos. Embora em cidades muito cheias a morte continue sendo uma cusparada na cara, chega na hora que quer, de madrugada ou em pleno horário de almoço, atrapalha o trânsito, atrasa projetos, deixa pessoas esperando.

O relógio da parede da cozinha avisava que já era tempo de ir trabalhar então eu tomei, resignada, meu café gelado, saí com o hálito pegajoso, comprei uma bala, acenei para o senhor dono da banca de revistas, que sempre me avisa quando a PREACHER chega, e tomei o carro de “aluguel.” Não me pergunte a razão, mas eu achei legal falar assim. Então eu tomei o carro de aluguel para chegar pontualmente às 08h00min no trabalho e terminar meus projetos dentro dos prazos. A pessoa que cumpre os prazos sempre recebe uma premiação, e ela não é nada ruim.

Fim do dia no escritório.

Agora é a minha vida social quem exige de mim, vamos todos para o pub mais cheio da cidade, sentir muito calor, ouvir pessoas gritando e tentar conduzir alguns flertes em alguns homens embriagados, cansados, agitados, e tentar ao máximo desacelerar o ritmo que nos é imposto, na verdade não é bem imposto, mas como a premiação é boa a gente não se importa de viver com o pique de um cheirador, produzindo 8 horas por dia, 7 dias na semana. Conversas sobre nada, cheia de palavras rebuscadas, novas ou velhas deixavam o ambiente mais cheio, tudo programado, até o drink que uma moça deve tomar se ela quiser ser “in” (in - um termo descolado terminantemente proibido de se pronunciar se você não quiser denunciar a sua intenção de ser “ “ ... você sabe!)

Fim do dia social


Casa, lugar pouco acolhedor, porém bastante prático. É preciso tempo para familiarizar com o ambiente. A cama é conhecida já o sofá... parece que foi escolhido por um estranho, e de fato foi, eu gostaria de ver a senhora mãe dele sentadinha vendo TV nessa porcaria, desenhado para um camelo se sentir confortável. Mas enfim lar doce lar, é hora de dormir, isso se eu quiser ter no mínimo 6 horas de sono, sendo assim, chapada eu apago e sonho.

O Sonho.

Eu volto ao pub, um homem enfia a mão na calça e balança o membro pra mim eu pego a pinça e morro de rir. Do outro lado uma mulher parece cair, mas permanece em pé, a música é boa, mas não dá para ouvir direito, um homem chora copiosamente no balcão, eu sinto por ele, exposto ali à luz do néon, atrapalhando os pedidos de tequila da moça de rosa, o homem que chorava me leva para casa, num carro de teto baixo, tipo baratinha, as janelas estão fechadas e por isso eu não consigo respirar, mas tenho medo de pedir para abrir, evito chamar a atenção dele para mim, tento desaparecer, não consigo, minhas mãos denunciam minha aflição, o homem segura as minhas mãos que estavam enterradas entre as minhas pernas, ele as aperta entre as dele, em seguida agarra o meu pescoço e sorri dentes amarelados de cigarro e café pra mim. Eu sinto vontade de morrer e acabar logo com aquilo, engolir se tornava penoso.

Eu acordo com a sensação de ter lágrimas para chorar, mas não tenho. Seguro meu pescoço tentando sentir a mão novamente. Suada, eu me sinto infinitamente sozinha e amedrontada, eu rezo para Deus me ajudar, rezo para que ele seja meu pai, me repreendo por não acreditar nisso, tornaria tudo mais fácil, acho graça da idéia de ir a uma igreja, de madrugada, depois do Pub, a única hora que seria concebível a idéia de parar.

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sexta-feira, março 17, 2006

O último adeus de Liana

Seco, o tempo estava seco. Não por causa do sol. Não chovia, não fazia sol.
Naqueles dias escuros só ventava. Liana minha noiva não se abalava com isso.
Eu, Joaquim me sentia mal, bem mal, miúdo, encolhido para ser mais exato.
Mas nada disso importa. Liana tratava de velhos doentes, limpava os doentes e lia para eles, fazia isso todas as tardes. E fazia bem, todos os velhos a adoravam por isso. Mas Liana sempre achava que não fazia o suficiente e por vezes se considerava egoísta por pensar em largá-los. Ela sempre dizia com aquele jeito lamurioso dela de falar:

- Puxa Quinzinho, eu só me permito falar essas coisas para você, pois é vergonhoso.
Mas é que me deixa mesmo angustiada, vê-los definhar, eu sinto pena. E é horrível sentir pena, porém eu não consigo identificar qualquer tipo de dignidade na condição deles, eu não consigo. E nessas horas tudo que passa pela minha cabeça é nunca mais voltar lá, fingir que não existem velhos no mundo e tentar morrer antes dos 60 anos. Estúpida! Isso é o que eu sou, uma puta egoísta e estúpida. É por demais penoso vê-los sorrir tão inocentes, sem dentes e com a pele fina e enrugada. E quanto mais aberto for o sorriso mais explícita é a tristeza que eles trazem. É mortificante receber deles um carinho que obviamente não é por mim. Mas Quinzinho o que mais me faz sentir uma pessoa dura é saber que eu só faço isso por eles por culpa, culpa do asco que eu sinto pela degradação deles. Quinzinho eu os odeio e me odeio por isso. Eles me fazem sentir suja, cada banho que eu dou é uma tentativa inútil de me limpar da minha imundice.

Mil vezes eu disse a Liana que ela só estava sendo honesta, que grande parte das pessoas mundo se sentia da mesma forma em relação a velhice mas que ninguém dizia nada, nem tão pouco fazia. E que ela estava sendo boa por tentar trabalhar uma fraqueza de forma tão positiva. E por vezes funcionava, e por vezes voltavam suas perturbações, embora Liana nunca deixasse de ir todas as tardes ao Hospital do asilo.

Todos os dias depois do almoço eu pegava Liana em sua casa e a deixava com os velhinhos, mas nesse dia ela já tinha saído. Eu estranhei, mas segui para o meu trabalho sem pensar nas razões que fariam a moça mudar nossa rotina. Na verdade eu só pensava bravo na falta de uma ligação que me poupasse o tempo de ir até a sua casa à toa.

O vento gritava do lado de fora da janela, eu sentia falta dela, mal podia esperar a hora de ver Liana. Era confortante o tanto que ela achava romântico aqueles dias sem vida. Mas Liana não voltou para casa. Naquele dia tão pouco ela foi ver os velhos, Liana havia desaparecido. Choveu durante toda a madrugada, toda a gente saiu para procurar Liana, que quase ao amanhecer apareceu, despudoradamente morta, com sua saia levantada e entre as pernas uma carta que tinha instruções para ser publicada no jornal, o que não aconteceu. Segue trechos da carta de Liana:

Eu espero que minha morte seja simbólica, espero que dê coragem a todos para dizer o que realmente são, eu espero que todos me venerem com ódio, que digam, maldita Liana, putinha barata, e admitam no seu íntimo, ela fez o que eu queria ter feito.
Assumo não, declaro aqui que fui suja, bolinava os velhos que só não me estupravam por não terem força e me divertia com isso. Defecava nas senhoras mudas e para o restante contava-lhes todo tipo de bizarrice com pessoas das suas famílias. E me divertia muito com isso, por vezes acertava. Vocês devem se lembrar do caso da menina que era estuprada pelo pai, o pai era filho da Dona Neusa, uma velha muito escrota que eu cuidei até a morte. Coincidentemente, D. Neusa faleceu depois de ouvir a minha história sobre seu filho que chupava a netinha todos os dias na esquina da escola. D. Neusa não agüentou a emoção de escutar tamanha sujeirada sobre o filho, sorte dela que morreu sem saber dos meus poderes premonitórios.
Enfim, morro feliz e mais vazia... vocês, hipócritas, podem imaginar como é duro carregar uma mentira por tanto tempo, eu precisava contar, precisava que toda a gente soubesse. Então, aqui jaz Liana, uma putinha imunda que de tão leve caiu do despenhadeiro sem calcinha.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Ave Isolda!

A lavadeira se vestiu de princesa e saiu para a avenida, onde foi saudada como tal.
Na frente de Isoldinha era essa a imagem que se formava e, na mente dela, a conclusão a qual chegara, fora de que se a lavadeira virou princesa poderia ela também se tornar uma nobre senhora.

Isoldinha fora abandonada pelo noivo, o rapaz a trocara por outro varão. Acabando de vez com a auto-estima da moça que já se encontrava bem miudinha. Era carnaval e, normalmente, todos estranhavam a falta de alegria de Isolda com a festa. Era a maior festa do ano, onde até as mães relaxavam um pouco e iam se enfeitar também.

Mas Isoldinha sempre foi uma moça quieta, com prazeres muito simples, um romance poderia ser lido por ela várias e várias vezes sem lhe deixar de ser interessante.

Mas neste carnaval Isoldinha aceitou o convite das colegas e foi para a rua fantasiada, com a cara e as unhas pintadas. Ela estava mesmo bonita, um pedaço de carne como lhe disse o amigo do irmão, um rapaz que a mãe já tinha advertido: Neguinho deveria ficar bem longe.

Isoldinha descobriu na passarela do samba sua nobreza, e como era farta.
Dançou sem se preocupar, sorria sem pudor aos que a olhavam, mas não se demorava em desviar o olhar e deixá-los ansiosos por uma próxima olhadela, que a moça cuidou para que não houvesse.

Isoldinha dançou até os pés não suportarem mais. Parou para descansar. Na frente de Isoldinha a lavadeira levantava o vestido de princesa despindo se da sua nobreza e entregue aos foliões que iam ao delírio com a sua figura nua.

Isoldinha viu também Alberto, o ex-noivo com o famigerado amigo de Neguinho.
Viu Neguinho se contorcer para melhor ver a princesa lavadeira, viu suas amigas, boquiabertas, amedrontadas com o fascínio que a nobre nua exercia sobre seus pares.

Isoldinha foi para casa. Caiu lhe a nobreza, a produção feita para a festa já havia sido lavada pela chuva. Mas a moça estava satisfeita, pela primeira vez desde menina, Isolda conseguiu compreender e se entregar ao carnaval. Debilmente ela se divertiu, cantou, dançou e sentiu aquela força inexplicável que fazia a multidão deixar os grilhões em casa.
E agiu, conscientemente, como uma tola!

Já na porta de casa, um folião que vinha pulando, sem camisa e com o sorriso mais honesto e embriagado na cara, sacou-lhe um beijo na boca, deixando-a em seguida, ainda pulando, mandando beijos pelo ar e agradecendo a bondade da princesa para com os vossos humildes súditos.