Uma menina nova com o olhar maduro, devia ser uma alma antiga, não se desprendia daquilo que já foi vivido, devia ter uma boa memória... Deve ter sido duro viver nessas condições.
Para Zilah o mundo parecia ser mais rude, ela mesma era rude, ossos rígidos, postura rígida, olhos abertos, sempre atentos, nunca pega de surpresa geralmente supreendia.
Zilah podia andar sem ser percebida, por vezes, na venda, sua presença irritava a balconista, que distraída com o rádio, nem se dava conta de que ela a observava esperando por ser atendida.
Bem, apesar de passar quase despercebida, Zilah ainda conseguia ser detestada, haviam aqueles que se irritavam com o jeito de ser dela e eles não eram poucos... principalmente as crianças e os adolescentes.
Zilah continuava da mesma forma já Zélia, a irmã mais nova, parecia ter ganho toda a beleza e simpatia que Zilah fora privada. A menina crescia brilhante como o sol. "Os outros", da rua de cima, onde as casas tinham escadas, viam Zélia de longe e comentavam que uma criança daquelas não deveria ter nascido em berço de palha.
Aconteceu que quando o fogo comeu a casa delas, levando a mãe das meninas, pra onde os anjos dizem amém. Zilah salvou a irmã, que gritava, desesperada tentando salvar a mãe desmaiada.
Zélia era realmente uma graça e na condição de orfã não permaneceu por muito tempo.
Um casal, da rua de cima, que já andava de olho nela, adotou a criança logo que souberam da desgraça. Zilah foi também, por sorte, eles estavam procurando alguém para cuidar dos cachorros e se tinha algo no mundo que Zilah se dava bem era com os cães.
Partiu, então Zilah e Zélia, cada uma para o seu quarto de direito... Zélia pra cima das escadas e Zilah pra debaixo das escadas... Mas ela não se importava, ela podia ficar alí junto com os cães, sem ter que falar com ninguém, dando só bom dia e boa tarde, já não precisava mais ir a escola e seu ciclo social se resumia aos cachorros e a empregada que lhe levava as refeições.
Anos a fio se passaram, Zélia tinha se tornado a mais bela das jovens da rua de cima, escolhia entre cinco jovens, belos e ricos, quem seria o felizardo que se casaria com ela.
Zélia como já se esperava escolheu o mais bondoso para o matrimônio.
No primeiro dia em sua casa nova, Zélia ficou sabendo que Zilah fora supreendida espiando a festa de seu casamento e por isso foi expulsa do canil de seus pais adotivos.
Eduardo o bondoso rapaz com que Zélia se casou ouviu a história e vendo o tormento que caia sobre os olhos da esposa, saiu imediatamente a procura de Zilah, que foi encontrada, dias depois, perto da casa queimada na rua de baixo...
Zélia contou toda a história do incêndio... como ele havia começado, a mãe que morrera tentado apagar o fogo com as mãos e como a irmã racionalmente havia tirado ela de lá salvando lhe a vida!
Zilah, agora salvadora, tinha lugar especial na casa, tiraram lhe todas as pugas do cabelo e do corpo e arrumaram um baile pra apresentá-la aos "outros" da rua de cima. Foi oferecido um dote para ela, que não era mais a "Zilah dos cachorros"e assim se casou com um senhor que procurava uma mulher saudável e que pudesse ter filhos fortes.
Assim foi que Zilah teve seu único filho, João Eduardo, em homenagem ao bondoso cunhado.
Ela educou e cuidou com carinho de João Eduardo, que, eu acredito, tenha sido o único ser humano que tenha amado Zilah de verdade.
Mas por alguma ironia cruel do destino, o fogo comeu novamente a casa de Zilah, levando para onde os anjos dizem amém, também seu filho e o marido.
Zélia foi logo em ajuda da irmã, mas Zilah no dia seguinte ao incêndio sumiu, sendo encontrada dias depois no canil da casa onde haviam crescido ela e Zélia.
Lá ela permaneceu até morrer. Afirmando que lá tinha nascido e de lá nunca havia saído.