Seco, o tempo estava seco. Não por causa do sol. Não chovia, não fazia sol.
Naqueles dias escuros só ventava. Liana minha noiva não se abalava com isso.
Eu, Joaquim me sentia mal, bem mal, miúdo, encolhido para ser mais exato.
Mas nada disso importa. Liana tratava de velhos doentes, limpava os doentes e lia para eles, fazia isso todas as tardes. E fazia bem, todos os velhos a adoravam por isso. Mas Liana sempre achava que não fazia o suficiente e por vezes se considerava egoísta por pensar em largá-los. Ela sempre dizia com aquele jeito lamurioso dela de falar:
- Puxa Quinzinho, eu só me permito falar essas coisas para você, pois é vergonhoso.
Mas é que me deixa mesmo angustiada, vê-los definhar, eu sinto pena. E é horrível sentir pena, porém eu não consigo identificar qualquer tipo de dignidade na condição deles, eu não consigo. E nessas horas tudo que passa pela minha cabeça é nunca mais voltar lá, fingir que não existem velhos no mundo e tentar morrer antes dos 60 anos. Estúpida! Isso é o que eu sou, uma puta egoísta e estúpida. É por demais penoso vê-los sorrir tão inocentes, sem dentes e com a pele fina e enrugada. E quanto mais aberto for o sorriso mais explícita é a tristeza que eles trazem. É mortificante receber deles um carinho que obviamente não é por mim. Mas Quinzinho o que mais me faz sentir uma pessoa dura é saber que eu só faço isso por eles por culpa, culpa do asco que eu sinto pela degradação deles. Quinzinho eu os odeio e me odeio por isso. Eles me fazem sentir suja, cada banho que eu dou é uma tentativa inútil de me limpar da minha imundice.
Mil vezes eu disse a Liana que ela só estava sendo honesta, que grande parte das pessoas mundo se sentia da mesma forma em relação a velhice mas que ninguém dizia nada, nem tão pouco fazia. E que ela estava sendo boa por tentar trabalhar uma fraqueza de forma tão positiva. E por vezes funcionava, e por vezes voltavam suas perturbações, embora Liana nunca deixasse de ir todas as tardes ao Hospital do asilo.
Todos os dias depois do almoço eu pegava Liana em sua casa e a deixava com os velhinhos, mas nesse dia ela já tinha saído. Eu estranhei, mas segui para o meu trabalho sem pensar nas razões que fariam a moça mudar nossa rotina. Na verdade eu só pensava bravo na falta de uma ligação que me poupasse o tempo de ir até a sua casa à toa.
O vento gritava do lado de fora da janela, eu sentia falta dela, mal podia esperar a hora de ver Liana. Era confortante o tanto que ela achava romântico aqueles dias sem vida. Mas Liana não voltou para casa. Naquele dia tão pouco ela foi ver os velhos, Liana havia desaparecido. Choveu durante toda a madrugada, toda a gente saiu para procurar Liana, que quase ao amanhecer apareceu, despudoradamente morta, com sua saia levantada e entre as pernas uma carta que tinha instruções para ser publicada no jornal, o que não aconteceu. Segue trechos da carta de Liana:
Eu espero que minha morte seja simbólica, espero que dê coragem a todos para dizer o que realmente são, eu espero que todos me venerem com ódio, que digam, maldita Liana, putinha barata, e admitam no seu íntimo, ela fez o que eu queria ter feito.
Assumo não, declaro aqui que fui suja, bolinava os velhos que só não me estupravam por não terem força e me divertia com isso. Defecava nas senhoras mudas e para o restante contava-lhes todo tipo de bizarrice com pessoas das suas famílias. E me divertia muito com isso, por vezes acertava. Vocês devem se lembrar do caso da menina que era estuprada pelo pai, o pai era filho da Dona Neusa, uma velha muito escrota que eu cuidei até a morte. Coincidentemente, D. Neusa faleceu depois de ouvir a minha história sobre seu filho que chupava a netinha todos os dias na esquina da escola. D. Neusa não agüentou a emoção de escutar tamanha sujeirada sobre o filho, sorte dela que morreu sem saber dos meus poderes premonitórios.
Enfim, morro feliz e mais vazia... vocês, hipócritas, podem imaginar como é duro carregar uma mentira por tanto tempo, eu precisava contar, precisava que toda a gente soubesse. Então, aqui jaz Liana, uma putinha imunda que de tão leve caiu do despenhadeiro sem calcinha.
Naqueles dias escuros só ventava. Liana minha noiva não se abalava com isso.
Eu, Joaquim me sentia mal, bem mal, miúdo, encolhido para ser mais exato.
Mas nada disso importa. Liana tratava de velhos doentes, limpava os doentes e lia para eles, fazia isso todas as tardes. E fazia bem, todos os velhos a adoravam por isso. Mas Liana sempre achava que não fazia o suficiente e por vezes se considerava egoísta por pensar em largá-los. Ela sempre dizia com aquele jeito lamurioso dela de falar:
- Puxa Quinzinho, eu só me permito falar essas coisas para você, pois é vergonhoso.
Mas é que me deixa mesmo angustiada, vê-los definhar, eu sinto pena. E é horrível sentir pena, porém eu não consigo identificar qualquer tipo de dignidade na condição deles, eu não consigo. E nessas horas tudo que passa pela minha cabeça é nunca mais voltar lá, fingir que não existem velhos no mundo e tentar morrer antes dos 60 anos. Estúpida! Isso é o que eu sou, uma puta egoísta e estúpida. É por demais penoso vê-los sorrir tão inocentes, sem dentes e com a pele fina e enrugada. E quanto mais aberto for o sorriso mais explícita é a tristeza que eles trazem. É mortificante receber deles um carinho que obviamente não é por mim. Mas Quinzinho o que mais me faz sentir uma pessoa dura é saber que eu só faço isso por eles por culpa, culpa do asco que eu sinto pela degradação deles. Quinzinho eu os odeio e me odeio por isso. Eles me fazem sentir suja, cada banho que eu dou é uma tentativa inútil de me limpar da minha imundice.
Mil vezes eu disse a Liana que ela só estava sendo honesta, que grande parte das pessoas mundo se sentia da mesma forma em relação a velhice mas que ninguém dizia nada, nem tão pouco fazia. E que ela estava sendo boa por tentar trabalhar uma fraqueza de forma tão positiva. E por vezes funcionava, e por vezes voltavam suas perturbações, embora Liana nunca deixasse de ir todas as tardes ao Hospital do asilo.
Todos os dias depois do almoço eu pegava Liana em sua casa e a deixava com os velhinhos, mas nesse dia ela já tinha saído. Eu estranhei, mas segui para o meu trabalho sem pensar nas razões que fariam a moça mudar nossa rotina. Na verdade eu só pensava bravo na falta de uma ligação que me poupasse o tempo de ir até a sua casa à toa.
O vento gritava do lado de fora da janela, eu sentia falta dela, mal podia esperar a hora de ver Liana. Era confortante o tanto que ela achava romântico aqueles dias sem vida. Mas Liana não voltou para casa. Naquele dia tão pouco ela foi ver os velhos, Liana havia desaparecido. Choveu durante toda a madrugada, toda a gente saiu para procurar Liana, que quase ao amanhecer apareceu, despudoradamente morta, com sua saia levantada e entre as pernas uma carta que tinha instruções para ser publicada no jornal, o que não aconteceu. Segue trechos da carta de Liana:
Eu espero que minha morte seja simbólica, espero que dê coragem a todos para dizer o que realmente são, eu espero que todos me venerem com ódio, que digam, maldita Liana, putinha barata, e admitam no seu íntimo, ela fez o que eu queria ter feito.
Assumo não, declaro aqui que fui suja, bolinava os velhos que só não me estupravam por não terem força e me divertia com isso. Defecava nas senhoras mudas e para o restante contava-lhes todo tipo de bizarrice com pessoas das suas famílias. E me divertia muito com isso, por vezes acertava. Vocês devem se lembrar do caso da menina que era estuprada pelo pai, o pai era filho da Dona Neusa, uma velha muito escrota que eu cuidei até a morte. Coincidentemente, D. Neusa faleceu depois de ouvir a minha história sobre seu filho que chupava a netinha todos os dias na esquina da escola. D. Neusa não agüentou a emoção de escutar tamanha sujeirada sobre o filho, sorte dela que morreu sem saber dos meus poderes premonitórios.
Enfim, morro feliz e mais vazia... vocês, hipócritas, podem imaginar como é duro carregar uma mentira por tanto tempo, eu precisava contar, precisava que toda a gente soubesse. Então, aqui jaz Liana, uma putinha imunda que de tão leve caiu do despenhadeiro sem calcinha.
Um comentário:
Srta. Miroka,
O conto está muito bem escrito. Acho que nós estamos melhorando, não é? Lá vamos nós, praticando sempre.
No entanto, eu não gostei muito do enredo.
Creio que a história pode ser divida em duas partes, antes e depois do suicídio. Ambas as partes são muito bem desenvolvidas. Têm ótimo conteúdo. Mas, apesar do seu ótimo trabalho, o conto não me agradou muito.
A verdade é que, ao lermos uma estória, não estamos atrás de conteúdo e sim de algo interessante. Existem coisas com conteúdo que nós achamos interessantes e outras que não. Assim como existem coisas sem qualquer conteúdo das quais gostamos.
Essa é uma história sobre uma personagem má.
Eu tenho uma longa teoria sobre personagens desse tipo.
Sinta-se a vontade para ler, não ler, para concordar, discordar, discutir ou não discutir isso comigo depois.
Eu acho que um personagem mau é interessante quando ele é exageradamente egoista. Nós gostamos desse tipo de personagem, pois ele faz coisas que temos vontade de fazer, mas que nós não fazemos por respeito aos outros. É como se ele cometesse, por nós, os pecados que definitivamente recusamos a cometer.
No entanto, esse não é o caso da personagem da sua estória.
No começo da conto, nos é mostrada uma mulher egoísta. Mas ela não é exageradamente egoísta. Qualquer pessoa poderia estar no lugar dela. Os seus sentimentos são muito humanos. Isso meio que nos lembra dos nossos próprios defeitos, daquilo que queremos nos livrar. E nos trás desconforto.
Num segundo momento, somos apresentados a uma personagem puramente cruel. Uma coisa é a crueldade devido a um egoísmo exagerado, o que, como eu disse, achamos interessante. Outra é a crueldade pura, sem fundamento, que é repulsiva.
A crueldade pura e simples, é algo que causa náusea no ser humano, pois isso não faz parte da nossa natureza. Quando uma pessoa é cruel, ela tem os seus motivos, consciente ou inconscientemente.
Enfim, temos aqui uma boa história, bem narrada, que demonstra sensibilidade com relação à psicologia humana, mas que, infelizmente, creio que não desperta muito o interesse nas pessoas.
Curuja
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