terça-feira, março 23, 2004

O Hóspede




Estava frio e ventava muito... de longe podia-se enxergar uma casinha velha, que naquela situação parecia bem aconchegante, ela ficava bem no alto, pensei um pouco antes de me aventurar até lá, pois era uma caminhada que só atrapalharia se eu não pudesse descansar um pouco. Por fim eu fui, chegando lá, bati na porta e uma criança mal encarada me recebeu e gritou para um adulto lá de dentro, - Outro viajante pedindo guarita. Alguns resmungos depois, a criança me mandou entrar e sentar perto da lareira. Pouco tempo depois vieram os cachorros, fedidos e raivosos, ficaram a me vigiar enquanto se aproximava o dono da casa que me olhava com ar superior, ao sentir meu medo diantes das duas betas caninas, aquilo era uma vitória pra ele. Eu tentei brincar com os cachorros e ele gritou: - Ei sujeito não posso crêr que você seja imbecil a esse ponto, mas se quiser continue a brincar com os animais, já faz tempo que eles estão precisando de um pouco de diversão mesmo.
Eu me virei e pedi desculpas e disse que já estava saindo ( já estava cansado daquela hospitalidade toda) e então ele gargalhou alto e disse na minha cara:
Você é um sujeitinho muito burro mesmo, basta você pôr o pé na porta para um urso vir e acabar com você, sendo assim é preferível deixar que os cães o façam.
Eu recuei e perguntei pra ele qual era o problema, pq tinha me deixado entrar se fosse pra demonstrar tamanha hostilidade? E então ele disse:
Eu estou te fazendo um imenso favor, estou salvando sua vida, sem nem conhecer você, como um bom cristão faria, disse olhando para uma velha imagem.
Não reparou que a sua vida está nas minhas mãos??? olha pros lados, quem mais poderia ajuda-lo, ninguém, sabe o vermezinho que abriu a porta? Pois é, estava perdido por aqui, eu ajudei, eu sou uma boa alma, como uma boa alma pode ser hostil. Vá dormir homem e trate de não me incomodar mais com sua ingratidão, vou deixar os cães aqui, fazendo companhia. Deu uma risada e saiu... de novo com aquele olhar de prazer ao sentir o meu pavor .
Então eu tinha uma lareira quase no fim, e cães como companheiros. adormeci, durante o sono, muito barulho, gritos histéricos tudo muito estranho, mas por mais força que eu fizesse, eu não conseguia abrir os olhos, tão pouco me levantar, mas escutava esses ruídos como se estivessem na mesma sala, só não era capaz de abrir os olhos, por mais que eu me esforçasse, para evitar o desespero eu parei de tentar, e assim foi até o amanhecer, quando eu me levantei. Não demorei em me preparar para sair, mas algo me fez voltar, eu ainda deveria agradecer o meu anfitrião, procurei por toda a casa e não vi ninguém, nem sinal do velho ou da criança.
Nas paredes de cima somente uma foto, muito antiga, desgastada, onde constavam o homem, e o moleque que abrira a porta, a aparência das pessoas era de uma época muito distante, o que me surpreendeu um pouco, mas no fundo me senti satisfeito por não ter que agradecer ou despedir-me de ninguém, corri e saí dali o mais rápido que pude, a cada passo me sentia menos sufocado, mais perto da civilização, as cores ficavam mais claras e o cheiro menos inebriante. Aquele era um lugar onde eu jamais poria os pés outra vez , e sobre aquelas pessoas eu nunca mais, sequer, pensaria a respeito novamente.

Nenhum comentário: