sexta-feira, outubro 29, 2004

O tempo de Maya

Tudo começou quando eu, Lara Souza, achei no lixo o diário de Dona Maya Orlan, minha vizinha, que faleceu de velhice aos 101 anos de idade.

Mas antes de falar do diário eu tenho que explicar como era a D. Maya e vai ser rápido: Dona Maya aparentemente viveu sozinha a vida toda, não constiuiu família, trabalhou a vida inteira numa estatal, aposentou e aparentemente não manteve nenhum laço com nenhum colega nem com nenhum vizinho também.

Isso era o que eu sabia até ler o diário.

O diário começa assim: “Estes são os registros da vida atrapalhada de Maya - aquela que Deus esqueceu na terra a mercê do tempo”.

Mas o que chamou minha atenção foi uma parte do diário que estava desenhada, era um relógio, no centro tinha um Deus , eu acho que era Cronos e ele estava derretendo...nas páginas seguintes ela disse que tinha descoberto a grande cilada divina.


Ela acreditava que Deus teria colocado ela no mundo por engano, devido a algum tipo de erro ele a deixou cair na dimensão errada. Ela escreveu: “Eu me sinto como alguém que anda enquanto a esteira corre. Estou ciente de que sempre vou cair... fail! seria o termo ideal.”

No início eu fiquei muito deprimida com o diário mas eu tinha que saber mais dessa história de tempo.

Ela assumia que todos os fracassos da sua vida eram resultados do acidente divino, citava algumas mortes prematura ocorridas na família, a sua falta de sociabilidade e ainda a perda de um amor como prova da sua teoria, mas sem citar nomes ou relatar os fatos. Isso me deixou um tanto curiosa quem teve a morte prematura? quem terá sido esse amor?

Eu procurei registros da família Orlan, o único que apareceu foi relacionada a um homem que hoje é nome de rua, Francisco Orlan um médico que ajudou muito as pessoas e viveu muito... dizem que ele viveu até os 115 anos de idade, morreu sem deixar filhos acabando com a linhagem. De onde então teria vindo a linhagem dela? No diário, mais pra frente, ela cita o encontro com um homem que se dizia Orlan também, embora seus pais não o conhecessem, ela teve medo.

Escreveu Maya “... ele disse coisas sobre o tempo, relacionada com a minha família, que naquela época eu não sabia da importância que teria e nem parei para escutá-lo. No final, antes dos meus pais o afastarem de mim, eu me lembro de ouvi-lo gritar: Eu não sabia da sua existência achei que eu acabaria com toda essa merda... por favor dê um fim nisso e me perdôe.
Estava acabando a era dele, que tentou me avisar antes que começasse a minha.”

Foi exatamente nesse momento que eu temi ler o final eu já estava acreditando, que realmente ela tinha sido esquecida numa dimensão errada. Continuei lendo... “Logo eu percebi que deveria ficar sozinha, mas aquele rapaz, era de uma simpatia tão grande comigo, até o fim dos seus dias ele manteve o mesmo carinho e cortesia comigo, e mais uma vez o tempo me auxiliou a ficar sozinha e acabar com aquilo que aquele homem tinha dito para eu encerrar há anos".

Naquela tarde eu tentei mais uma busca por informações sobre a família Orlan e desta vez eu achei um artigo de jornal que comentava sobre um crime, uma mulher que dopou e manteve o marido com as pernas quebradas, amarrado na cama, até a morte dele e se entregou para polícia. Essa mulher era a minha falecida vizinha, Maya, que depois de vinte anos, internada, numa clínica para doentes mentais passou seus últimos dez anos morando na frente da minha casa até morrer de velhice.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei do conto, apesar de achar que o final não combinou muito.

Essa personagem, com sua idéia estranha de estar na dimensão errada, achei isso bastante original e legal. As coisas ficam ainda melhores quando surge aquele homem que, de algum modo, parece confirmar a teoria da mulher.

O final também ficou bom, mas acho que ficou um pouco estranho, diferente do clima do resto da história. Mas eu gostei.

Coruja