quinta-feira, novembro 04, 2004

O inferno de Pedro

Naquela tarde Pedro pensava como pode um criador abandonar a criação no meio do caminho.
Pedro se sentia tão deslocado no mundo que pensava seriamente na hipótese de ter sido esquecido por Deus. Pensava que talvez nem na morte ele caberia, mas só para não ser chamado de covarde, tentaria a sorte. Mas Pedro era de fato um camarada muito azarado, quando já estava com a corda no percoço, viu pela janela um único motivo para não fazer aquilo, mas na euforia de se desprender de toda aquela parafernalha ele acabou por se enrolar mais.

Assim deu fim à sua vida.

Pedro só pensava em uma coisa: acerto de contas, ele merecia um acerto de contas com o criador, principalmente por ter morrido numa posição tão ridícula e ainda todo defecado. Mas como ele já imaginava acabou indo pros quintos do inferno.

A primeira vista parecia uma cidade do interior fedendo a terça-feira de carnaval. Pedro reparou também que os nomes das ruas eram todas datas e os bairros eram os anos. Aquilo alí era um inferno particular, Pedro sempre se sentia muito mal em qualquer ocasião especial, e a maioria delas marcavam coisas muito ruins para se comemorar.

Ele decidiu caminhar pela cidade inferno parou na rua 02 de novembro. Entrou numa casa e viu exatamente o dia do seu nascimento, Pedro chorou como um recém-nascido teve medo e sentiu frio. Viu sua mãe sozinha no chão de uma cozinha.Viu ela morrendo e o pai chegar desesperado.Correu de lá.

Passou por vários momentos ruins mas, até então, nada tão ruim quanto o nascimento.

Pedro que sempre acreditou em forças opostas sabia que mais cedo ou mais tarde acabaria encontrando "o tinhoso". Virando uma rua sem muita importância, com alguma vexame escolar entre tantos sofridos, lá estava ele, com um jeito angelical, mas com um fedor incomum, nunca tinha sentido um cheiro tão podre.

Ele sabia que era ele. Pedro disse oi, ele não respondeu, só perguntou:
- Você se lembra do dia em que perdeu a virgindade ou do dia em que estava na piscina na casa da sua tia?

Pedro não se lembrava de nenhum desses dias, nem via razão para essas passagens estarem alí, mas por curiosidade resolveu procurar os tais dias. "O tinhoso" foi embora e só então Pedro percebeu que o mal cheiro estava nele mesmo.

Ele andou, rodou e não chegou a lugar nenhum, não se lembrava daqueles dias, sentou e pensou na vida até adormecer.Quando acordou viu uma escada que levava para cima de um prédio, subiu, apesar da escada estar escorregadia.

Lá estava o dia em que ele perdeu a virgindade. O que ele não estava lembrando era da partida de Simone, sua melhor amiga que, de mudança foi sem deixar nenhum contato. Pedro tinha ficado de ir se despedir mas aconteceu tudo tão de repente que se esqueceu de Simone e desde aquele dia nunca mais teve contato com ela. Ele sentiu muito por isso e lembrou perfeitamente o quão triste e culpado se sentiu nessa dia.

Antes de descer avistou de longe a casa da Tia e lembrou o caminho.Chegando na casa, nada de estranho, ele era apenas uma criança que brincava na piscina, até o momento em que se aproximou um homem e perguntou para o menino Pedro quais eram as suas expectativas para o futuro. Pedro ria e jogava água no homem tentando pronunciar corretamente a palavra que ele não tinha nem idéia do significado.

Enquanto a criança sorria, Pedro chorava muito sentia o peito apertar e se agachava no chão como se aquilo pudesse aliviar a dor que sentia.

Pedro percebeu que até aquele momento ainda não sabia a resposta para a pergunta, viu que passou a vida ignorando problemas,datas até que ele se tornou um deles e como de costume acabou por ignorar a si mesmo.

Percebeu também que talvez não estivesse no inferno, tão pouco estivesse conversado com o Tinhoso.
Pedro percebeu que o acerto de contas tinha afinal sido feito.

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